Por: João Simões Lopes Neto
Um moço chamado
Tandão Lopes laçou.. e laçou mal, de meia espalda: o touro bufou, e depois do
tirão já se lhe veio em cima.
O moço estava mui bem montado; o pingo era de patas porém
apenas racim, mui casquilhoso; os arreios já vinham mal e com o tirão a cincha
correu pras virilhas...
Virge´ mãe!
O bagual agachou-se a velhaquear e, para piorar ainda, em
volta, enredando-se no laço, frouxo; o moço - ginetaço! - fechou as chilenas e
meneou o rebenque, de chapéu do lado, numa pabulagem temerária, de guasca que
só a Deus respeita!
Foi nesse apuro, que o touro carregou, e veio, de língua de
fora, berrando surdo... e entreparado, baixou a cabeça, retesando o cogote
largo e ia a levantar a guampa, quando, meio maneado no laço e ladeado por um
sofrenaço de pulso, o bagual planchou-se... e o moço Tandão ficou também aí
caído, preso pela perna, exposto, entregue...
O touro recuou um pouco, escarvou, meio dançando, retesou os
lagartos, numa fúria de força e fez a menção... A campeirada olhava, parada,
vendo a desgraça vir...
Mas nisto, justo, justo quando o touro, balanceando no ar,
pareceu dar o pulo da carga, o Juca Guerra esteve-lhe em cima! Em cima!
Foi como o trovão e logo o raio..., pois como um raio o
gaúcho carregou a atirou a montaria contra o touro! Oigalé! Pechada macota!
O tostado arrebentou as duas paletas na encontrada e caiu,
sacudindo a cola, os olhos chispeando, de beiço enrugado e subido, de dor...
Caiu, mas o touro também.
E tanto que atirou o seu pingaço, de pechada feia - e certo
de o escangalhar - contra o touro, escorregou pela garupa, e enquanto os dois
brutos se batiam e enovelavam, o Juca já aliviava o companheiro, que apenas
livre, pulou para o cupinido, ainda meio azonzado do trompaço, manteou-lhe nas
aspas e torceu-lhe a cabeça, que cravou no chão, num pronto! O bicho pataleava,
puxando a respiração forte, que ondulava o arredondado da barriga. Aqueles,
sim, eram dois torenas que se valiam!
Só então que os vedores acudiram... mas foi para aguentarem
uma tirana de sotretas! comedores de carne! maulas! vasilhas! capões!... e
outros rebencaços de língua, desses que a gente esparrama quando está de marca
quente...
E no meio daquele bolo de campeiros, sobre as macegas
pisadas, ao lado do outro arquejando e do cavalo gemente, os dois homens se
abraçaram e beijaram-se, chamando-se irmãos; e assim juntos chegaram para o
cavalo tostado, quebrado pelos encontros... fieram-lhe umas festas de puro mimo
e tristeza... e enquanto o Juca, com sua própria mão sangrava o seu confiança,
o moõ abraçava a cabeça inteligente do flete... Correu o sangue, em borbotão; e
quando, esvaído, o tostado afrouxou a força a s respiração e o garbo, e foi
descaindo e ia a tombar, de vez, os dois amigos, lado a lado, ampararam-lhe a
cabeça... e devagarzinho, como se fosse uma criança dormilona, deitaram-na
grandemente sobre os capins, - pro raso - sobre um pé de malmequer branco,
ramalhudo, que florejava ali, como num propósito. Coitado do flete.
Mas como deixá-lo viver assim arrebentado? para vê-lo morrer
de dores, inchado, com fome e com sede... e antes disso serem-lhe os olhos
vazados pelos urubus... e os buracos deles, ainda vivos, virarem toca das
varejas?!... Não!
Um gaúcho de alma não abandona assim a seu cavalo; antes
mata-o, como amigo, que não emporcalha o seu amigo!
Pesquisa de:
Fabiana Thomaz
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