quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Contos Gauchescos - Juca Guerra

 


Por: João Simões Lopes Neto

 

 Um moço chamado Tandão Lopes laçou.. e laçou mal, de meia espalda: o touro bufou, e depois do tirão já se lhe veio em cima.

O moço estava mui bem montado; o pingo era de patas porém apenas racim, mui casquilhoso; os arreios já vinham mal e com o tirão a cincha correu pras virilhas...

Virge´ mãe!

O bagual agachou-se a velhaquear e, para piorar ainda, em volta, enredando-se no laço, frouxo; o moço - ginetaço! - fechou as chilenas e meneou o rebenque, de chapéu do lado, numa pabulagem temerária, de guasca que só a Deus respeita!

 

Foi nesse apuro, que o touro carregou, e veio, de língua de fora, berrando surdo... e entreparado, baixou a cabeça, retesando o cogote largo e ia a levantar a guampa, quando, meio maneado no laço e ladeado por um sofrenaço de pulso, o bagual planchou-se... e o moço Tandão ficou também aí caído, preso pela perna, exposto, entregue...

 

O touro recuou um pouco, escarvou, meio dançando, retesou os lagartos, numa fúria de força e fez a menção... A campeirada olhava, parada, vendo a desgraça vir...

 

Mas nisto, justo, justo quando o touro, balanceando no ar, pareceu dar o pulo da carga, o Juca Guerra esteve-lhe em cima! Em cima!

 

Foi como o trovão e logo o raio..., pois como um raio o gaúcho carregou a atirou a montaria contra o touro! Oigalé! Pechada macota!

 

O tostado arrebentou as duas paletas na encontrada e caiu, sacudindo a cola, os olhos chispeando, de beiço enrugado e subido, de dor... Caiu, mas o touro também.

 

E tanto que atirou o seu pingaço, de pechada feia - e certo de o escangalhar - contra o touro, escorregou pela garupa, e enquanto os dois brutos se batiam e enovelavam, o Juca já aliviava o companheiro, que apenas livre, pulou para o cupinido, ainda meio azonzado do trompaço, manteou-lhe nas aspas e torceu-lhe a cabeça, que cravou no chão, num pronto! O bicho pataleava, puxando a respiração forte, que ondulava o arredondado da barriga. Aqueles, sim, eram dois torenas que se valiam!

 

Só então que os vedores acudiram... mas foi para aguentarem uma tirana de sotretas! comedores de carne! maulas! vasilhas! capões!... e outros rebencaços de língua, desses que a gente esparrama quando está de marca quente...

 

E no meio daquele bolo de campeiros, sobre as macegas pisadas, ao lado do outro arquejando e do cavalo gemente, os dois homens se abraçaram e beijaram-se, chamando-se irmãos; e assim juntos chegaram para o cavalo tostado, quebrado pelos encontros... fieram-lhe umas festas de puro mimo e tristeza... e enquanto o Juca, com sua própria mão sangrava o seu confiança, o moõ abraçava a cabeça inteligente do flete... Correu o sangue, em borbotão; e quando, esvaído, o tostado afrouxou a força a s respiração e o garbo, e foi descaindo e ia a tombar, de vez, os dois amigos, lado a lado, ampararam-lhe a cabeça... e devagarzinho, como se fosse uma criança dormilona, deitaram-na grandemente sobre os capins, - pro raso - sobre um pé de malmequer branco, ramalhudo, que florejava ali, como num propósito. Coitado do flete.

 

Mas como deixá-lo viver assim arrebentado? para vê-lo morrer de dores, inchado, com fome e com sede... e antes disso serem-lhe os olhos vazados pelos urubus... e os buracos deles, ainda vivos, virarem toca das varejas?!... Não!

 

Um gaúcho de alma não abandona assim a seu cavalo; antes mata-o, como amigo, que não emporcalha o seu amigo!

 

Pesquisa de:

Fabiana Thomaz


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