quinta-feira, 12 de novembro de 2020

POESIA - Mãe Velha

 


De Apparicio Silva Rillo:

Mãe Velha.


Cabelo era preto.

Que liso era o rosto!

Teu corpo era flor.

 

Cabelo era preto.

mas hoje, Mãe Velha,

cabelo branquinho,

geada e agosto

que não levantou.

 

Que liso era o rosto!

 

Agora, Mãe Velha,

rosto enrugadinho

parece co'as frutas

que o tempo secou.

 

Teu corpo era flor.

Mas hoje, Mãe Velha,

da flor, que ficou?

Só haste pendida

que a vida deixou.

 

A cor do cabelo

passou pro vestido.

 

O arado do pranto

no liso do corpo

que fundou que arou!

 

A haste pendida

curavada pra terra,

e a terra reclama

o que falta da flor.

 

- Papai foi pra guerra!

dizia o piá.

Mãe Velha era moça

no tempo que foi.

 

Mas veio a notícia:

- Teu homem morreu,

de lenço encarnado

e de lança na mão.

 

E os homens passavam

nos magros cavalos,

com barbas de mato,

com palas rasgados,

com pena da moça,

com raiva da guerra,

que mata um gaúcho

pra erguer um herói.

 

Mãe Velha - era moça -

chorou muito choro

no seu avental!

Abriu o oratório

da sala do rancho,

rezou padre-nosso

por alma do homem

que a guerra levara

de lenço encarnado

e de lança na mão.

 

E a Virgem Maria,

seu Filho nos braços,

olhava mãe moça

Mãe Velha ficar.

E a vida espiava

Mãe Velha viver:

 

- madrugada na mangueira,

leite branco na caneca,

chaleira chia na chapa,

costume faz chimarrão.

Gamela, farinha branca,

forno aceso, sova pão,

charque magro na panela,

canjica, soca pilão,

manjericão na janela,

vassoura roda no chão...

 

E a vida cobrava

tostão por tostão.

Mãe Velha, mais velha,

pagava pro tempo

a usura do dia.

Um sol que sumia

era mais um dobrão.

 

Piá se fez homem.

Mãe Velha com medo da revolução

Um dia, por fim,

piá foi s'embora

seguindo um clarim.

Mesminho que o pai:

de lenço encarnado

e de lança na mão.

Guria cresceu.

Sobrou no vestido

da chita floreada

que a mãe lhe cozeu.

Depois... se perdeu.

 

Mãe Velha chorando

o que a vida lhe fez,

no velho oratório

já reza por três.

 

A noite tem fala

na boca da noite,

a vida é mudinha,

nem boca não tem.

 

Por isso que a vida

ninguém não entende,

Mãe Velha, ninguém.

A vida, Mãe Velha,

que é mãe e mulher.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

56 anos do Município de Alvorada

Minha Alvorada cidade e sorriso És  um paraíso pra quem mora aqui Só quem não conhece a minha terra amada Tem a língua afiada pra fala...